Entendendo e Desmistificando o Plano de Linhas
Para a maioria dos construtores amadores, o plano de linhas é um grande mistério, mas ele nada mais é do que uma representação gráfica, em duas dimensões, das formas de um casco ou às vezes de um convés.
Para que se tenha ideia da importância deste plano, se um aspirante a arquiteto naval apresenta seu trabalho contendo um jogo de planos ao seu mestre, geralmente ele fica surpreso de vê-lo ignorar os planos de arranjo geral com seus detalhes e suas bem desenhadas almofadas de seu arranjo interno, assim como seu perfil externo para observar minuciosamente as linhas do casco para avaliar a capacidade deste aspirante. Estas linhas falam muito alto o valor daquele aspirante como designer. Os outros planos são um pouco mais do que amostras do trabalho como desenhista, porem um arquiteto naval não é apenas um desenhista, mas um projetista, um técnico.
O plano de linhas representa a forma do casco e quando se está diante dele, não se está mais no escuro quanto as qualidades da embarcação, através da analise de suas linhas d’água, suas linhas do alto e suas balizas.
O plano de linhas se fundamenta nestes três planos cartesianos ortogonais, apresentando o corpo de um casco em linhas sucessivas horizontais (linhas d’água), longitudinais (linhas do alto) e transversais (balizas), de tal maneira que os pontos da superfície fiquem coerentes nas três projeções.
Um plano de linhas deve vir acompanhado de uma tabela de cotas, que determina a localização dos pontos, fixando em que baliza está, e as distancias em relação à linha de centro (meia-boca), e a altura em relação à linha de base ou uma linha d’água de referencia, que pode ficar por baixo ou por cima do casco.
A importância do plano de linhas fica evidenciada observando-se sua múltipla influencia no desenvolvimento do projeto: ele permite prever visualmente as formas do futuro barco; possibilita o projeto do arranjo interno, com as larguras e alturas disponíveis em cada lugar, descontadas as estruturas; viabiliza o calculo da estabilidade do barco, em diversas condições de adernamento (aplicando as analises próprias da arquitetura naval, curvas hidrostáticas e curvas cruzadas, se for o caso); da acesso aos estudos de resistência de avanço, podendo determinar a velocidade mais favorável e as velocidades-limite de eficiência aceitável; mostra as interferências hidrodinamicas recíprocas que podem existir entre as formas de casco, a bolina ou a quilha de lastro, o hélice e o leme; permite a analise do centro de resistência lateral, feito sobre o plano de linhas e fundamental para o projeto do velame (não apenas na superfície, mas também na localização do centro velico, para atingir o equilíbrio no leme); serve de base para o plano de construção indicativo das estruturas interiores, dos escantilhões e materiais em cada lugar, e nas lanchas, permite o estudo da forma mais adequada para as velocidades alcançáveis, e junto com ele, a previsão do ângulo de inclinação do eixo propulsor, a instalação de motores e a localização de tanques. Quando se trata de lanchas planadoras, o Plano de Linhas também permite a determinação das velocidades criticas.
Podemos perceber que as formas de um barco definem seu “temperamento” e sua “personalidade”. É por ai que podemos entender que, em torno do Plano de Linhas, esta montado também um mito. Ao contrario do que alguns supõem, conseguir um plano de linhas não resolve tudo. Existem poucas crenças mais erradas do que essa. Afinal, dois barcos feitos pelo mesmo plano de linhas podem ter exatamente as mesmas formas, como se fossem de fibra, laminados no mesmo molde. Mas se, por exemplo, o peso for diferente (maior ou menor) ou se tiver variado a distribuição dos pesos de bordo (motor, tripulação, equipamentos), é inevitável que o barco tenha mais ou menos calado, ou um “trim” diferente. Aqui estamos considerando apenas os efeitos estáticos do barco parado ou movimentando-se a baixa velocidade. Mas, também se observam efeitos negativos na eficiência de lanchas planantes.
Embora a forma do casco que estejamos vendo em terra possa ser exatamente igual à de outro, a parte submersa também pode ser bem diferente para a água, que, em definitivo, é o que interessa.
Na verdade, o plano de linhas é um item fundamental dentro do projeto, mas só tem validade quando acompanhado dos outros itens que garantem que o barco vai flutuar na linha d’água de projeto, com o deslocamento certo e com o centro de gravidade no lugar planejado. Caso contrario tudo não passará de uma boa intenção.
É por isso que um projeto profissional se desenvolve sempre a partir de um estudo preliminar que, atendendo ao programa de necessidades que serão exigidas do novo barco, define “a priori”, todos os principais valores: deslocamento, comprimento total e na linha d’água, boca, calado e borda livre. Nos veleiros, também no preliminar, se estabelece a área velica, o tipo de mastreação e a proporção de lastro. Nas lanchas, potencia instalada e tipo de propulsão.
Essas preliminares determinam como deverá ser o plano de linhas, e determinam um conjunto harmônico de definições do barco.
Marcos Lodi
Arquiteto Naval e Yacht Designer